Quando pensou no modelo de Value-Based Health Care (VBHC), Michael Porter apontou as deficiências dos sistemas de saúde ao redor do mundo. Recentemente, com a pandemia causada pelo coronavírus, os serviços de saúde públicos e privados vêm precisando enfrentá-las, trazendo maior atenção à implementação do modelo.
O VBHC já vem sendo adotado em diversas instituições de saúde pelo mundo e tem se mostrado uma boa alternativa ao modelo vigente. Contudo, diante do cenário atual, cabe a reflexão: o modelo pode também ser utilizado para amenizar impactos da crise econômica causada pela pandemia?
Contextualizando: a crise econômica na área da saúde
O coronavírus disseminou, além de doença e óbitos, uma crise econômica em diversos setores e o setor da saúde não ficou de fora. A redução de procedimentos eletivos e do número de pessoas buscando os serviços de emergência (redução média de até 40%) impactou fortemente a saúde financeira das organizações da saúde.
Além disso, muitas empresas tiveram que fechar as portas ou demitir funcionários, que deixarão de ter direito ao plano de saúde subsidiado pela empresa e não terão condições de arcar com este custo. Logo, as operadoras desses planos devem sofrer com redução progressiva do número de beneficiários por algum tempo. Como consequência, teremos no curto e médio prazo menos pacientes acessando os serviços de saúde privados (e mais pacientes sobrecarregando os públicos).
Neste cenário de queda drástica de receitas, os que sobreviverem assistirão à redução de suas reservas financeiras ou o aumento de seu endividamento. Assim, a tendência é que se perpetuem e acentuem-se ainda mais as discussões por transferências de custos entre hospitais, operadoras e fornecedores de insumos da saúde, em decorrência do modelo vigente. É a chamada competição de soma zero.
Em resumo, um modelo já deficiente, sofrendo ainda mais pressão por conta da crise sanitária e econômica deve levar os atores do sistema de saúde a procurarem novos modelos para garantir sustentabilidade no médio e longo prazo.
Serviços de saúde mais preparados do ponto de vista financeiro e de gestão já estão trabalhando neste sentido, mas a crise deve acelerar a busca. Nos Estados Unidos, onde ficou ainda mais clara as fragilidades do sistema de saúde, hospitais já estão sinalizando que pretendem implementar o modelo de competição baseada em valor. Estão entendendo que é uma questão de sobrevivência, já que não haverá mais espaço para a ineficiência.
Então, do ponto de vista prático, como deve ser essa transição do modelo atual para um modelo de saúde baseado em valor? Como fazer para que a implantação deste modelo amenize os impactos da crise econômica no setor da saúde?
Essa transição é complexa, envolve todo o ciclo de cuidado do paciente e todos os atores do sistema de saúde. Escrevo aqui, de forma resumida alguns pontos de atenção importantes para a gestão dos serviços, seguindo como base princípios da competição baseada em valor.
Com relação aos CUSTOS
“O foco deve ser o Valor para o paciente e não simplesmente a redução de custos.” *
No cenário descrito, está claro que todos os participantes do sistema de saúde terão que estudar, otimizar e negociar seus custos. É uma boa oportunidade para a implantação do TDABC metodologia de custos adaptada por Kaplan para o saúde, pois permite saber o real custo da assistência a uma condição de saúde específica e deixa visível a capacidade ociosa, auxiliando, de forma mais clara, a eliminação de ineficiências.
Neste ponto, o desafio é não reduzir a qualidade em função da redução de custos, mas ampliá-la. Aqui reforço a necessidade de implantação e manutenção dos protocolos clínicos e desfechos clínicos intra e extra-hospitalares.
Uma outra questão importante deve ser evitar discussões por transferência de custos, ou seja, não focar somente em aumentar ou reduzir tabelas de preço praticadas entre os agentes, pois isso só transfere o ônus dentro do sistema. Diante da situação econômica e das dificuldades financeiras dos envolvidos, não parece razoável despender energia em negociações desgastantes em uma competição de soma zero. O foco deve estar em reunir forças para encontrar inovações (tecnológicas ou não) que gerem valor (maior qualidade ao menor custo) para o paciente.
Com relação aos RESULTADOS
“A competição tem que ser baseada em Resultados.”
“Informações sobre resultados têm que ser amplamente divulgadas para apoiar a competição baseada em valor.” *
Mensurar e mostrar bons resultados (aqui reforço, resultados que realmente importam para o paciente) é fundamental e, essa prática, deve se fortalecer neste momento de crise. Para ser excelente, não adianta a instituição dizer que tem o equipamento “X”, a estrutura “Y” ou o serviço “Z”. O importante é medir e mostrar resultados objetivos de desfechos clínicos, fazer comparação com outras instituições e focar em melhorias contínuas.
A pandemia mostrou as dificuldades que temos com relação às informações do sistema de saúde, mas também mostrou a capacidade de usarmos tecnologia mostrando informações de forma rápida e transparente (com acesso de toda a população). Temos a tecnologia para extrair e mostrar dados, cabe aos serviços de saúde e operadoras se organizarem para medir e divulgar aquilo que mais importa em cada condição de saúde.
Com relação ao CICLO DE CUIDADO
“A competição deve estar centrada nas condições de saúde durante todo o ciclo de atendimento.” *
O valor é gerado na condição de saúde do paciente. Logo, os resultados que realmente importam são os desfechos clínicos intra e extra-hospitalares relacionados à certa condição de saúde. Portanto, o gerenciamento da linha de cuidado através de protocolos clínicos é essencial, pois é através desta prática que se melhora resultados. Cabe ressaltar que estes resultados servirão de base para elaboração de contratos de novos modelos de remuneração baseado em valor.
Um ponto interessante que apareceu neste período de pandemia é a necessidade de termos protocolos clínicos dinâmicos nos serviços de saúde para reduzir a distância entre as evidências geradas nos artigos científicos e os serviços prestados ao paciente.
A fragmentação do ciclo de cuidado é também um ponto que merece destaque, pois está presente em todos os países do mundo. As conexões da linha de cuidado, desde a atenção primária, serviço hospitalar e reabilitação devem ser planejadas para ser gerado valor de forma efetiva ao paciente.
Com relação à INOVAÇÃO
“O atendimento de alta qualidade deve ser menos dispendioso.” *
“Inovações que aumentam o valor devem ser altamente recompensadas.”*
Em virtude da pandemia, estão aparecendo novas tecnologias e as já existentes passaram a ser utilizadas com mais força. Como exemplo, podemos citar a telemedicina, aplicativos para monitorar saúde e testes com máscaras capazes de detectar o coronavírus (desenvolvidas pelo MIT).
São muitas inovações e isso é ótimo. A inovação é um dos principais pontos do VBHC, pois ela permite gerar valor, porém nem toda inovação em saúde gera valor. Temos que tomar cuidado para não confundir o termo valor com qualidade, pois a tecnologia só gera valor se além da qualidade ela tiver um custo compatível com o que ela oferece.
Em um modelo baseado em valor, empresas inovadoras geram valor e são altamente recompensadas (naturalmente) com maior fatia do mercado. No caso da saúde, serviços com mais inovações em processos e tecnologias, que melhorem a saúde do paciente a um custo razoável, devem ser os mais procurados pela população.
Com relação à PRODUÇÃO
“O valor tem que ser gerado pela experiência, escala e aprendizado do prestador na condição médica em questão.”*
“A competição deve ser regional e nacional, não apenas local.”*
O cenário de baixo número de beneficiários de planos de saúde, junto com problemas financeiros das prestadoras de serviços, deve fortalecer ainda mais o movimento de fusões e aquisições no setor. O ganho de escala deve reduzir custo e aumentar a qualidade dos serviços pelo aprendizado.
Em síntese, para amenizar os efeitos da crise econômica, o modelo de VBHC pode ser implantado utilizando metodologias específicas de custos, medindo desfechos clínicos que realmente importam para o paciente e utilizando inovação para gerar valor. Este movimento já estava acontecendo, ainda que de forma mais lenta, mas a crise deve acelerar a busca pela implantação do VBHC.
É o momento de se aproveitar as oportunidades para, após cessar a tempestade, poder navegar em um oceano azul.
* Princípios da competição baseada em valor extraído do livro Repensando a Saúde- estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os custos; Michael E. Porter, Elizabeth O. Teisberg
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